quinta-feira, 28 de outubro de 2010

"Afirmo que a Verdade é uma terra sem caminho. O homem não pode atingi-la por intermédio de nenhuma organização, de nenhum credo (...). Tem de encontrá-la através do espelho do relacionamento, através da compreensão dos conteúdos da sua própria mente, através da observação."

Jiddu Krishnamurti

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

DOR PROFUNDA

Em pleno século XXI as mulheres não só conquistaram o direito ao voto ativo como ao passivo, ao serem eleitas elas mesmas representantes do povo. Podem adquirir bens em seus nomes, ser mães sem necessariamente estar vinculadas a um homem, estudar tanto quanto seus colegas do sexo masculino, assim como virtualmente trabalhar em qualquer área que queiram. Porém, é desconcertante ver que, apesar das conquistas legais na área dos direitos humanos, do ponto de vista cultural as coisas não mudaram tanto assim. Afinal as mulheres ainda são vistas como reles objetos a serem desejados, usados e dispensados.
Nações baseadas na tão afamada “democracia” não vêem que perpetuam, através da repetição de atitudes androcêntricas e heteronormativas, a dor e o sofrimento em seus cidadãos. Evidenciando extrema contraditoriedade, suas leis clamam que “todos os cidadãos são iguais”; enquanto que sua cultura diferencia enfaticamente homens de mulheres e marginaliza aqueles que transitam entre os sexos. Qual a vantagem de uma mulher em “ter direitos” se não pode andar na rua em paz sem ouvir algum comentário atroz sobre seu corpo? De que adianta os homens reclamarem de “mulheres fúteis e superficiais” se são eles mesmos quem ridicularizam as feministas e não conseguem sustentar uma conversa com as inteligentes? Do que vale as mulheres estudarem tanto se suas idéias e ações serão depreciadas no ambiente de trabalho pelo simples fato de serem do sexo feminino? Que ganho há para um homem em ser um “exemplar pai de família”, sendo que seus apetites e prazeres só se realizam clandestinamente à noite, nos braços de uma travesti?
A história tem mostrado que o homem nunca deixou de ansiar pela igualdade desde que esta garantisse os seus direitos, e somente os seus... Pois na antiga Grécia, berço por excelência da democracia, só era considerado cidadão o homem nascido livre naquelas terras. Isso significava que mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não tinham direitos. Mesmo a Revolução Francesa, que teve centenas de mulheres (seus nomes inscritos nas paredes do Panteão de Paris não nos deixam esquecer) lutando e morrendo ao lado de seus companheiros pela extinção das diferenças de classes sociais e visando mais tarde a igualdade entre homens e mulheres, logrou estas últimas. Porque, lembra-nos bem a historiadora Elisabeth Badinter*, uma vez que seus parceiros conseguiram o que queriam, sobraram apenas uns poucos pensadores a defender a causa das mulheres, e mesmo esses foram calados em seguida e os diretos femininos logo esquecidos.
Da mesma forma hoje, em sociedades cujos resquícios de cultura patriarcal ainda são claramente perceptíveis apesar das tentativas infrutíferas de ocultá-los, somente são considerados como tendo real valor os representantes brancos e heterossexuais do sexo masculino. Mulheres, crianças, pessoas de raças as mais variadas e sujeitos de identidade de gênero “confusa” só são reconhecidos cidadãos perante a lei quando seus direitos são exigidos através de longos e, frequentemente, traumáticos processos judiciais.
Quanto mais uma cultura é construída e reproduzida sobre as bases da diferença, mais infelizes são os indivíduos submetidos a ela. Os pais, a escola e a mídia separam tudo e diferenciam o que é “ser menino” do que é “ser menina”: meninas não devem ser moleques, meninos não podem ser sensíveis; meninas usam rosa, meninos usam azul. E assim por diante, levando essa dicotomia artificial e tirana a todas as esferas culturais, fazendo com que outras formas de ser sejam automaticamente punidas e excluídas, não sobrando espaço para a liberdade e a diversidade.
Não é de estranhar que os órgãos responsáveis pela saúde já denunciam que a doença do futuro não será o câncer ou a aids, e sim a depressão. Países que condenam o fanatismo muçulmano ao usar as mulheres como bens de troca entre pais e maridos, não vêem que tratam suas próprias representantes do sexo feminino como objetos quando permitem que veículos midiáticos reforcem e reafirmem a idéia de que as mulheres somente são alguma coisa se tiverem um dono (homem é claro) e que para terem esse dono é necessário se transformar em um objeto tão desejável quanto uma “boneca inflável” - através de intermináveis interferências cirúrgicas - ou um “bichinho de pelúcia cor-de-rosa” infantilizado e imbecilizado. E aquelas que simplesmente não aceitam se sujeitar à imperiosa limitação da condição de objeto são mal vistas e até mesmo perseguidas e marginalizadas, como se fossem aberrações, pelo simples fato de querer lembrar ao mundo que também, e antes de tudo, são humanas!
A heteronormatividade imposta pela cultura patriarcal, aliada ao consumismo estimulado pelo capitalismo, não poupa nem mesmo os homens, pois não cansa de afirmar a seu bom cidadão que ele está e sempre estará errado. Afinal, mesmo que trabalhe sete dias na semana e faça horas extras infindáveis, o infeliz nunca terá dinheiro suficiente para ter tudo o que a sociedade exige de alguém bem sucedido. Mesmo que anseie por se relacionar com uma mulher forte e inteligente, sentir-se-á inferiorizado perante ela porque nunca foi estimulado a ver as mulheres como iguais, e assim acabará por ficar com as frívolas e subservientes, pois estas representam um terreno “mais seguro”. E mesmo que tenha constituído uma família a ser invejada, ainda precisa mostrar a outros homens que é capaz de conquistar mais mulheres para provar que é um verdadeiro macho alfa.
As mulheres, apesar de cansadas da luta diária contra o ranço patriarcal e contra suas iguais alienadas que ainda acreditam na submissão aos homens, estão conquistando cada vez mais espaço e levando consigo as bandeiras de outras minorias. Elas caminham e não dão mostras de que vão parar, quem quiser alcançá-las deve correr! Os homens por outro lado, estão ficando exaustos de ter que desempenhar papéis cada vez mais exigentes e nem sempre compatíveis com seus anseios e necessidades. Alguns dizem admirar as feministas, mas não tem aparato para engendrar uma conversa à altura, o que os faz se sentirem vítimas do feminismo e de suas transformações. Outros não aceitam a emancipação das mulheres e das minorias de jeito nenhum e, por meio das formas mais violentas possíveis, deixam bem claro suas convicções. Isso tudo expõe uma única verdade: o mundo está mudando...
Mas quanta frustração e quanta dor é preciso para que a humanidade acorde do próprio pesadelo que criou e rompa com as muralhas de sua ignorância e falta de visão? Quanto tempo ainda para que todos olhem para si mesmos e para os outros e vejam apenas seres humanos no lugar de diferenças e segregação?

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* BADINTER, Elisabeth. Um é o outro.

domingo, 10 de outubro de 2010

Priscila Jacewicz - Um Novo Sol